segunda-feira, 7 de junho de 2010

A FEIRA


Na madrugada chegam os caminhões transportando as madeiras, em breve o cenário estará armado.
A feira vai crescendo, crescendo .... Enquanto as barracas estão nuas, só no esqueleto é feia, nos dá impressão de fósseis de animais pré-históricos amontoados. Depois que as frutas, as verduras e os legumes são colocados em ordem, que as lonas coloridas são lançadas como velas no topo das barracas, vem o sol com seus raios luminosos dar vida ao espetáculo. Tela de tons diferentes, figuras nas mais variadas formas. Assim, a primeira vista nos dá a sensação de liberdade e fartura.
As pessoas vão chegando com suas fantasias e entram em cena: uma esmola pelo amor de Deus! Uma esmola pelo amor de Deus! - implora um homem sem as pernas num canto da calçada. Olha a laranja! Couve-flor! Banana maçã! Abacaxi! Abacate! Melão! Tomate! Alface! Tangerina!
No meio da balbúrdia ouve-se um canto triste que vai se propagando lentamente. Os dedos ágeis do cego deslizam pelas teclas da acordeon. Mesmo sem ver as cores da festa ele a compreende, compõe e interpreta sua trilha sonora.
Olha a banana! Banana prata! Laranja seleta! Banana ouro! Laranja lima! Maçã Argentina! Olha o caqui, aqui é mais ba-ra-to! Alho! Cebola! Salsa! Vagem! Cenoura! Beterraba! Batata doce! Jiló! Agrião!...
As crianças subnutridas da favela com os seus olhos de desejo e a abundância das barracas causam um contraste marcante ao espetáculo.
Logo adiante, junto à barraca de peixe do italiano há um aglomerado. Um senhor de cabelos grisalhos, óculos escuros, vestido elegantemente com um terno claro, gesticula no centro da roda. Sem que despertem as atenções, três homens fortes mantêm-se sempre próximos. O candidato a deputado promete, entre sorrisos e abraços, mudar os rumos da nação.
Olha a banana! Uma esmola pelo amor de Deus! Abacaxi! Uva! Alface! Cenoura! Couve-flor! Laranja lima!...
Agora o sol está mais quente, nota-se estampada no rosto das pessoas a tensão. Todos falam ao mesmo tempo, feirantes apregoam suas mercadorias, o cego toca, fregueses reclamam dos altos preços e um pastor protestante prega o evangelho: aleluia! Aleluia! Aleluia irmão! Aleluia!!! De repente um como se fosse um alarme, um grito aterrorizador ecoa na feira: Pega ladrão!. Pega ladrão! Pega ladrão! Pega!!! A acordeom do cego se cala. Imediatamente policiais correm de arma em punho, mulheres buscam abrigo entre as barracas. Por poucos segundos a feira ficou vazia, abriu-se um clarão entre o corredor de barracas. Surge então cercado por um cordão de policiais, um menino de olhos esbugalhados e pernas trêmulas. O primeiro soco atinge-lho o ouvido direito e o faz rodopiar, um enxame de abelhas começa a zunir em sua cabeça. Vem um outro soco, uma ponta pé. Ele ouve apenas um murmúrio, vozes soltas no ar parecendo uma rádio ligada em várias estações ao mesmo tempo: uma esmola pelo amor de Deus! Uma esmola pelo amor de Deus! Olha a laranja! Laranja lima! Abacaxi! Melão! Pega! Pega ladrão! Uva! Melancia! Alface! Olha o mamão! Aleluia! Aleluia irmão! Banana ouro! Banana prata! Batata doce! Uma esmola pelo amor de Deus! Jiló! Cenoura! Alface! Pega! Pega ladrão! Laranja pêra! Maçã Argentina! Beterraba! Uma esmola pelo amor de Deus! Pega! Pega ladrão! Aleluia! Aleluia irmão! Pega! Deus! Amor! Aleluia! Pega! Deus! Aleluia! Amor! Deus! Amor! Pega!..........Deus!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Um comentário:

  1. Crônica perfeita, relatando de forma bem real acontecimentos rotineiros e bem doídos dessa vida. Estréia Brilhante. Parabéns! Vou te seguir.

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