segunda-feira, 7 de junho de 2010

NÃO ADIANTA




O tempo estava nublado naquele final de tarde do mês de agosto, as nuvens escuras anteciparam a chegada da noite. Os veículos se arrstavam pelas ruas formando enorme congestionamento, a fumaça produzida pela queima de combustíveis se acumulava no ar, umedecia os olhos, dava um gosto amargo na garganta e uma sensação de asfixia. As pessoas seguiam pelas calçadas estreitas, sujas e esburacadas do centro da cidade, depois de uma exaustiva jornada de trabalho. O fim da tarde é sem dúvida o pior momento do dia, as filas dos ônibus e os engarrafamentos constituem uma prova de resistência e paciência.
A vida transcorria dentro no seu ritmo normal, quando surgiu na avenida um homem completamente despido. O homem nu caminhava lentamente, lado a lado com os automóveis, seu corpo magro e esquio traçava um ritmo compassado que se alternava através do deslocamento de suas nádegas brancas e flácidas. Mas, mesmo assim houve até quem as admirasse com olhos de desejos reprimidos. Algumas senhoras que passavam pela avenida, encabuladas taparam o rosto, as meninas do colégio riram, grande parte da população ficou perplexa e um policial indeciso fugiu para bem longe.
O homem nu prosseguiu e atrás dele imediatamente uma multidão se formou. Homens, mulheres e crianças, trabalhadores, estudantes, aposentados, desocupados, de cor, crença e origens diferentes constituíam uma estranha procissão que tumultuou ainda mais o trânsito. Dentro de poucos minutos a multidão tomou de assalto a avenida, buzinas tocavam, motoristas aceleravam os veículos ameaçando os pedestres. Movidos pelo inusitado acontecimento, a população se deixou levar. Indiferente a todos e a tudo o homem nu caminhava altivo como se fosse um imperador, os espaços se abriam para ele passar no meio da multidão. De repente ele parou diante de uma loja, olhou para o manequim elegantemente vestido na vitrine, coçou as partes íntimas e disse: não adianta! Não, não adianta! Não adianta! Não adianta! Balançou a cabeça, não, não, não!...Não, não, não!!! Não adianta!!!!...
A multidão sorrindo se acomodou em volta da loja despuntando espaço para melhor apreciar a cena, pelo lado de dentro o gerente assustado tentava se comunicar com a polícia. Na verdade, parecia que o homem estava ali, escolhendo as roupas que iria vestir-se e em seguida sair sorridente distribuindo beijos e encartes da casa a todos os presentes – um método novo de “marketing” que revolucionaria todo o mercado da moda no Brasil e no mundo.
O homem continuou com o seu monólogo diante ao manequim: não adianta! Não adianta! Não, adianta! Não, não, não!... Não, não, não!!! Não adianta!!! Balançava a cabeça com insistentes gestos negativos tentando expor a todos a sua insatisfação com a vida. A multidão acompanhava o desfecho, esperava por algo sem saber bem o que era. Num determinado momento todos pararam de rir e o corpo nu deixou de ser uma aberração. Fez-se silêncio e a voz rouca do homem se propagou no ar, suas palavras foram absorvidas pelas pessoas ali presentes e então se instalou a dúvida na cabeça de cada um. Será que o louco estava certo? Naquele final de tarde, cansados retornavam para casa e amanhã recomeçariam tudo novamente. Será que adianta? Enfim chegou a ambulância, os enfermeiros colocaram a camisa de força no homem e o levaram. Ele se foi sem que ninguém soubesse de onde veio. A multidão se desfez, seguiu o seu destino, o trânsito aos poucos voltou ao normal e o manequim ficou só, elegantemente vestido na vitrine”.
Aquelas palavras soltas permanecem gravadas no meu subconsciente. Não sei se adianta, quando tiver certeza, serei eu o louco.

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